Representações de Jesus | “Os Irmãos Karamazóv”, de Dostoiévski


Representações de Jesus é uma série que coleta descrições literárias, musicais, visuais, cênicas, fílmicas – etc.! – de Jesus, de maneira a apresentar a riqueza do imaginário em torno do messias da religião cristã, com fontes mais ou menos distantes dessa religião. O objetivo não é doutrinal; buscamos trazer um panorama heterodoxo.


Em uma conversa entre Alieksiêi e Ivan, dois dos três irmãos que dão título a Os Irmãos Karamazóv, de Fiódor Dostoiévski, o primeiro – homem crítico à religião – apresenta ao segundo – um monge em formação – uma narrativa que projetou para um poema. Nela, Jesus volta à Terra à epoca da Inquisição, e depois se confrontará com o líder dessa instituição. O trecho que separamos está entre 344 e 346:

E eis que Ele desejou aparecer, ainda que por um instante, ao povo – atormentado, sofredor, mergulhado em seu fétido pecado, mas amando-O como criancinhas. […]

Oh, essa não era, é claro, aquela marcha triunfal em que Ele há de aparecer no final dos tempos, como prometeu, em toda a Sua glória celestial e que será repentina “como um relâmpago que brilha do Oriente ao Ocidente”. Não, Ele quis ainda que por um instante visitar Seus filhos, e justamente ali onde crepitaram as fogueiras do hereges. Por Sua infinita misericórdia Ele passa mais uma vez no meio das pessoas com aquela mesma feição humana com que caminhara por três anos entre os homens quinze séculos antes. Ele desce sobre “as largas ruas quentes” da cidade sulina, justamente onde ainda na véspera, em um “magnífico auto de fé”, na presença do rei, da corte, dos cavaleiros, dos cardeais e das mais encantadoras damas da corte, diante da numerosa população de toda a Sevilha, o cardeal grande inquisidor queimou de uma vez quase uma centena de hereges ad majorem gloriam Dei. Ele aparece em silêncio, sem se fazer notar, e eis que todos – coisa estranha – O reconhecem. Esta poderia ser uma das melhores partes do poema justamente porque O reconhecem. Movido por uma força invencível, o povo se precipita para Ele, O assedia, avoluma-se a Seu redor, segue-O. Ele passa calado entre eles com o sorriso sereno da infinita compaixão. O sol do amor arde em Seu coração, os raios da Luz, da Ilustração e da Força emanam de Seus olhos e, derramando-se sobre as pessoas, fazem seus corações vibrarem de amor recíproco. Ele estende as mãos para elas, as abençoa, e só de tocá-lo, ainda que apenas em sua roupa, irradia-se a força que cura.

A capacidade de ser reconhecido é o aspecto que mais se destaca.

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